Colunas Sade

10/06/2025
PARECE MAS NO ....ALIMENTO

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Caf

Crdito, Getty Images

Legenda da foto, Mistura de caf com impurezas tem sido vendido em embalagem semelhante do caf tradicional, segundo associao

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  • 10 fevereiro 2025

    Atualizado 3 junho 2025

"O caf um monoproduto extrado do gro do caf. Junto a esse gro, depois de secado e beneficiado, sobram casca, mucilagem (camada viscosa do gro), pau, pedra, palha e tudo o que vem junto com o caf – mas no caf."

Foi assim que o diretor da Associao Brasileira da Indstria do Caf (Abic), Celrio Incio da Silva, descreveu, em um vdeo que circulou na ltima semana, o "cafake", item que vem sendo encontrado em alguns supermercados com embalagem semelhante do caf, mas que outra coisa.

Trata-se de um "p para preparo de bebida base de caf", que viralizou nas redes sociais como "caf fake" e "cafake", uma mistura de caf com impurezas que, segundo a Abic, no tem registro da Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa) para ser comercializada.

Na imagem que tem sido compartilhada na internet, o pacote de meio quilo sai por R$ 13,99, menos da metade do preo mdio do caf no varejo atualmente, quase R$ 30.

Trs marcas de "caf fake" foram proibidas pela Agncia Nacional de Vigilncia Sanitria (Anvisa), no dia 2 de junho, conforme comunicado divulgado pelo rgo.

A Anvisa determinou o recolhimento dos produtos e a partir de agora ficam tambm proibidas sua distribuio, fabricao e propagandas.

As marcas so:

Master Blends Indstria de Alimentos Ltda.

Melissa - D M Alimentos Ltda.

Pingo Preto - Jurer Caffe Comrcio de Alimentos Ltda

Segundo a Anvisa, a medida foi tomada aps inspeo realizada pelo Ministrio da Agricultura, Pecuria e Abastecimento (Mapa), que identificou irregularidades como:

1) uso de matria prima imprpria para consumo humano, contaminada com ocratoxina A, uma micotoxina produzida por fungos;

2) presena de matrias estranhas e com impurezas, chamadas de popla de caf e caf torrado e modo, mas que seriam, segundo o rgo, cascas e resduos de caf;

3) contaminao no produto acabado, indicando falhas nas boas prticas de fabricao, no processo de seleo de matrias-primas, e na produo e controle de qualidade do produto final.

4) Rtulos com imagens e informaes que podem causar erro e confuso em relao natureza do produto, podendo levar o consumidor a entender que o produto se trata de caf.

A BBC News Brasil entrou em contato com as marcas e aguarda posicionamento sobre a medida tomada pela Anvisa.

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Crdito, Getty Images

Legenda da foto, Preo do caf subiu quase 40% em 2024, estimulando o aparecimento de substitutos

Presente na grande maioria dos lares brasileiros, o caf foi um dos itens que mais encareceram em 2024, com alta de 39,6%, conforme o ndice de Preos ao Consumidor Amplo (IPCA), contra 4,83% do ndice geral de inflao.

O "cafake" um caso extremo de uma tendncia que se fortalece em momentos de acelerao da inflao de alimentos como o atual: a proliferao dos produtos que parecem, mas no so.

A lista longa e tem desde "ssias" mais conhecidos, como a bebida lctea, similar ao iogurte, at outras mais recentes, como o leo composto, uma mistura de azeite com outros leos vegetais, e o creme culinrio, vendido como similar ao creme de leite.

Nesses casos, as categorias so permitidas pela legislao e esto liberadas para comercializao, desde que deixem bem claro que no se tratam dos produtos "originais" – o que nem sempre acontece (leia mais abaixo).

A discusso sobre os alimentos que 'parecem, mas no so' esquentou na semana ada com uma declarao do presidente Luiz Incio Lula da Silva sugerindo que os consumidores trocassem produtos que estivessem caros por similares como estratgia para baixar os preos.

"Se todo mundo tivesse a conscincia e no comprar aquilo que est caro, quem est vendendo vai ter que baixar para vender , seno vai estragar. Isso da sabedoria do ser humano. Esse um processo educacional que ns vamos ter que fazer com o povo brasileiro", afirmou Lula em entrevista a rdios da Bahia na quinta-feira (06/02).

A principal razo de os produtos similares existirem econmica. Quando o custo dos itens bsicos aumenta, comprometendo o oramento domstico, as famlias de baixa renda brasileiras tradicionalmente se veem sem outra alternativa a no ser substituir os produtos que costumam consumir por outros de menor qualidade ou similares, diz Luciana Medeiros, scia e lder do setor de varejo na consultoria e auditoria PwC.

"Ele comea comprando um suco de uma qualidade que ele julga melhor. Comeou a apertar, ele troca por um suco mais simples. Apertou de novo, troca por suco em p", ela ilustra.

O creme culinrio vem de uma leva recente de novos produtos lcteos que a indstria alimentcia desenvolveu a partir de um subproduto da produo do queijo, o soro do leite, lembra Ana Paula Bortoletto Martins, professora da Faculdade de Sade Pblica da Universidade de So Paulo (USP).

Dcadas atrs, a substncia era descartada durante o processo de produo. Por ser altamente poluente, contudo, ela ou a ser alvo de uma legislao mais rigorosa de manejo, que exige que as empresas tratem o soro do leite antes de o despejarem no ambiente.

O aumento de custo estimulou a indstria a pesquisar alternativas para o aproveitamento do material, e da surgiram itens como a mistura lctea condensada (similar ao leite condensado), o composto lcteo (similar ao leite em p), a cobertura cremosa (similar ao requeijo), a mistura alimentcia com queijo ralado (similar ao queijo ralado).

Apesar de as embalagens costumarem ser muito parecidas com as dos produtos tradicionais, a ponto de confundir os consumidores em alguns casos, a lista de ingredientes bastante diferente.

Alm do soro do leite — um lquido aquoso que sobra no processo de coagulao do leite para a produo de queijo, com menos nutrientes e protenas do que o leite em si — outros itens de menor qualidade do que os tradicionais tambm so adicionados composio, como gordura vegetal e amido modificado.

"A indstria tira a matria-prima que custa mais e substitui pela que custa menos. Isso comum de acontecer principalmente nos pases em desenvolvimento", diz Martins.

A prtica tambm recorrente na indstria da carne, acrescenta a especialista.

"Ainda comum voc encontrar produtos que so uma mistura de carnes com adio de um sabor, um aroma, uma cor, tambm pra baratear, vendidas como 'tipo alguma coisa'", acrescenta.

o caso da linguia "tipo calabresa", que alm da carne suna geralmente tem protena vegetal e ossos de animais.

"Voc acha que vai comer uma linguia calabresa, mas na verdade no bem isso, n?"

Esse um dos principais problemas envolvendo os produtos similares, quando a rotulagem dificulta a diferenciao por parte do consumidor, diz Mariana Ribeiro, nutricionista do programa de Alimentao Saudvel e Sustentvel do Instituto de Defesa de Consumidores (Idec).

"A gente sempre analisa a denominao de venda [a categoria de fato do produto] e a lista de ingredientes em contraste com as alegaes publicitrias que esto presentes nos rtulos", ela detalha.

No caso do "cafake", por exemplo, ainda que ele fosse um produto regulamentado e que o rtulo trouxesse em alguma parte a informao de que se trata de uma "bebida sabor caf", seria problemtico o fato da comunicao do rtulo induzir o consumidor a crer que se trata de um caf convencional.

A nutricionista afirma que os consumidores brasileiros esto cada vez mais interessados em verificar o que de fato esto consumindo e se informar sobre o rtulo.

A questo que, na correria do dia a dia, muita gente s percebe que comprou uma coisa pela outra depois que chega em casa. isso que o Idec tem percebido em seu Observatrio da Publicidade de Alimentos (OPA), alimentado com denncias de publicidade enganosa enviadas pelos consumidores.

"O produto muitas vezes est na mesma gndola de um produto de uma categoria parecida… o consumidor compra [achando que o tradicional], mas quando consome percebe algo diferente, vai ler o rtulo e percebe que no levou o que achava que estava comprando."

Imagem mostra tigela com soro do leite e uma peneira em cima com queijo

Crdito, Getty Images

Legenda da foto, Soro do leite um lquido aquoso e amarelado que sobra no processo de coagulao do leite para a produo de queijo

Ingredientes fantasmas

Dois casos recentes marcantes nesse sentido para a nutricionista so de produtos com "ingredientes fantasmas", que esto na embalagem, mas no na composio do alimento.

Um deles era um creme de avel que no continha avel — era feito de cacau com aromatizante de avel. Outro era um biscoito "fitness" de sabor aveia e mel, com favos de mel na ilustrao da embalagem, mas ausentes entre os ingredientes — tratava-se, tambm, de um aromatizante.

"A gente percebe que as pessoas ficam muito indignadas principalmente quando so produtos que tm um certo apelo de saudabilidade", comenta Ribeiro.

Nesse sentido, a categoria de produtos saudveis est repleta de "parecem, mas no so", ressalta Ana Paula Bortoletto Martins.

Se no caso dos similares o barateamento um dos principais motores de propulso, nesse caso o apelo alimentao mais leve e menos calrica — o que muitas vezes no se observa na prtica.

A professora d como exemplo os produtos "plant-based", feitos de vegetais e consumidos, por exemplo, por quem quer evitar protena animal: apesar de muitas vezes se venderem como saudveis, muitos desses itens so ultraprocessados.

Homem olha para o r

Crdito, Getty Images

Legenda da foto, Consumidor est mais atento aos rtulos, mas muita gente s percebe que comprou uma coisa pela outra depois que chega em casa, diz nutricionista do Idec

Faz mal?

Todos esses alimentos so prejudiciais sade? No necessariamente.

No caso dos similares feitos base de soro de leite, eles priori tm menos nutrientes e menor qualidade do que os tradicionais.

preciso ficar de olho em quais entram na seara dos ultraprocessados, categoria que o Idec recomenda que no seja consumida por crianas menores de dois anos e que seja evitada por adultos.

Os ultraprocessados am por uma srie de etapas dentro da indstria at chegarem prateleira do supermercado e so, em geral, ricos em acares, sal e gorduras. So refrigerantes, por exemplo, alguns frios e embutidos, bebidas lcteas, sorvetes, pizza, lasanha e massas congeladas de forma geral.

Seu consumo est ligado ao aumento dos riscos de desenvolvimento de obesidade, de sobrepeso, de doenas cardiovasculares e de sndrome metablica (que inclui diabetes).

Uma dica fcil para identificar esses produtos, segundo a nutricionista Mariana Ribeiro, procurar por trs tipos de ingredientes no rtulo: corantes, aromatizantes e edulcorantes.

Ela lembra ainda que a ordem em que os ingredientes aparecem na composio do produto decrescente, ou seja, vai da matria-prima mais presente para a que existe em menor quantidade. Se o acar aparece na frente da fila, por exemplo, sinal de que ele existe em proporo relevante na fabricao do alimento.

No caso especfico do "caf fake", a Abic afirma que a disponibilizao de novos alimentos e novos ingredientes requerem autorizao prvia da Anvisa, como prev a legislao sanitria, para garantir que sejam seguros para consumo.

O produto que tem circulado nas redes sociais, ainda segundo a associao, apresenta na embalagem duas resolues j revogadas pela Anvisa, a RDC 27/2010 e a RDC 240/2018. "Vale ressaltar que no existe essa categoria", afirmou a entidade, por meio de sua assessoria de imprensa.


BBC Brasil

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