Poesia na calada 415r9
Outro dia, enquanto eava com minha cachorra num bairro de casas histricas e cheio de senhoras rvores de meio sculo, na cidade de Houston, descobri poesia na calada !
“Que charme misterioso por baixo dos pavimentos. Estruturas revestidas de pedra aconchegadas por rugosos e grossos rgos vegetais!
As caladas desmazeladas, que formam degraus dissemelhantes de pesadas placas de concreto e criam este retrato de aparente complexa dissimetria…deveriam ser partes intocveis da histria destas casas .
(A menos que a opo fosse destruir as caladas para libertar seus prisioneiros e prisioneiras da categoria verde natureza)”.
E o que pensariam os no poticos ?
Pois , este um texto que se originou do encanto pelo oposto da esttica padro.
Agachei-me para fotografar o desnivelamento da arela, e do cho numa postura desnuda da soberba humana, notei o bvio: aqueles seres enrijecidos, fincados e afincados em seus propsitos, fazem do sobreviver, a vida em arte!
Assim que acabei de imprimir este momento no meu “para sempre”, respirei profundamente aquela beleza desalinhada e continuei a caminhada com meus pensamentos .
“Como possvel que delimitadas a um espao nfimo, sem pernas que as mova, amarradas a uma terra tambm avariada pelo lixo da civilizao, elas encontram um caminho, invariavelmente!?
Simplesmente arrancam foras de sua estrutura, rompem o soalho na medida do estritamente necessrio para “respirarem” e acomodam-se com justeza e leveza, num tempo imperceptvel aos nossos relgios.
Continuamente florescem, exalam o perfume de suas flores, colorem com tinta do cu a arela da vida, so sombras, casas para a fauna e colrio para nossos olhos.
E todo este movimento sem fala na sociedade, sem discursos, sem devaneios aturdidos, sem desculpas e justificativas infundadas no rduo trabalho de sobreviver em meio ao caos.
Estas razes que extraem da terra a seiva da vida, rasgam a superfcie num movimento anti gravidade, na contramo de sua natureza, expe suas entranhas sem temer o julgamento, o preconceito, o desdm ao oposto do que “deve ser”, e danam com seus algozes at encontrarem um territrio onde possam continuar a crescer, em congraamento evidente ao que lhes seria adverso ao viver.
Imaginem que as rvores sucateadas pelos vorazes contornos do que se chama progresso urbano, expe suas intimidades guardadas e quase secretas, sensibilizam a superfcie frgil de suas clulas, sangram seus veios e repousam fora de sua proteo, adequando-se em “carne” viva!
Persistem vida !
E com tantos contras, seus troncos seguem crescendo, vivendo e sendo.
Podemos ter a iluso de colocar fronteiras nesta senhora me Terra, tapando com massa cinzenta de um lado, cortando o excesso de verde mato (incompatvel com o projeto de jardinaria da comunidade) ou mesmo pisoteando-a. Mas a verdade que a natureza imparvel!
No se enganem: no eterna senhores !
Estes seres vivos com cabeleira verde e corpo marrom, so sujeitos ivo e oculto, objetos indireto do verbo destruir, so alvos primrios de incorporaes de diferentes tipos.
E quando chega o “tempo da colheita” dos erros do homem, elas sofrem a presso da amargura das temperaturas, em forma de tempestades, furaces, incndios etc
E continuam flexveis.
E nem pensar que elas estejam desatualizadas do que acontece por a! Recebem um tanto de informaes incatalogveis de todos os cantos.
So sussurros de amantes apaixonados, histrias de alegria e tristeza, fofocas da vizinhana, tudo contado embaixo de suas sombras!
Sabem sobre o canto dos pssaros, da comida de seus inquilinos, da origem da vida e da morte matada.
So testemunhas e vtimas dos distrbios do “super’ e do excesso que vem regendo a escola da vida.
E como fiis amigas, no espalham um pingo sequer das idiossincrasias humanas.
S dispersam o que sai de seus corpos: folhas, sementes, plen…
Quem so elas: as rvores e suas razes?
Grandes mestras !
Inspirao e exemplo de como viver e sobreviver.
Guias para ns, humanos.
Elas so experientes conhecedoras da arte de adaptar-se !
Uma arte genuna e despretensiosa que busca o simples viver.
As possibilidades no contexto atual da humanidade so inmeras para tudo que pensamos, queremos ou devemos optar. Tantas que podem beirar ao numeral infinito neste lugar to diverso e heterogneo.
Ento, nossas pernas (da mesma maneira que as razes), tornam-se infinitamente menores que nossos corpos.
Como “ser” nesta selva de pedregulho pragmtica ?
Adapte-se ! Faa o que a “poesia das rvores nas caladas” ensina !
Ainda que para isto seja inevitvel despir-se desta “proteo” pesada e custosa .
E adaptar-se ser flexvel para sair do bvio, para no perecer ante a avassaladora inconstncia de valores, para no ser petrificado frente a Medusa da modernidade.
Adaptar-se mover-se ainda que milimetricamente, com exatido e at timidez, assim como a raiz que no cabe na forma!
ampliar seu horizonte, encontrando um espao confortvel entre voc e vocs , entre voc e o mundo, um lugar em que o equilbrio possibilita conviver !
procurar com mincia uma maneira de estar e ser na melhor concrdia possvel com o todo.
Adaptar-se no se atrofiar, no se encerrar, no se restringir, no se limitar, em uma caixinha desenhada por sabe-se quem (?!)
Ouse adaptar-se !
Basta ser flexvel como uma rvore !
Daniele de Cassia Rotundo