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Revoluo Constitucionalista de 1932, Revoluo de 32 ou Guerra Paulista foram os nomes dados ao movimento armado ocorrido no Brasil entre Julho e Outubro de 1932 visando derrubada do governo provisrio de Getlio Vargas e instituio de um regime constitucional aps a supresso da Constituio de 1891 pela Revoluo de 1930. Antecedentes[topo]
Na primeira metade do sculo XX, o Estado de So Paulo sofreu um acelerado processo de industrializao e enriquecimento devido cultura de caf e supremacia poltica deste estado resultante da poltica do caf-com-leite 4e4c3u
Em 1930 Getlio Vargas assume o poder e pe fim supremacia paulista na poltica nacional, alm de suspender a Constituio de 1891 e nomear interventores para todos os Estados, com a exceo de Minas Gerais.
Sem o poder poltico e enfrentando grave crise econmica devido Grande Depresso de 1929, que derrubara os preos do caf, a oligarquia paulista logo entra em conflito com Getlio Vargas, que nomeia para So Paulo como interventor o coronel Joo Alberto de Barros, tido pelas oligarquias como "forasteiro e plebeu"
Em 1932 a irritao das oligarquias paulistas com Vargas no cede sequer com a nomeao de um paulista, Pedro de Toledo, como interventor do Estado e comea-se a tramar um movimento armado visando derrubada de Vargas, sob a bandeira da proclamao de uma nova Constituio para o Brasil.
A morte de quatro jovens paulistanos (Martins, Miragaia, Drusio e Camargo) em 23 de maio de 1932 leva unio de diversos setores da sociedade paulista em torno do movimento de constitucionalizao. Neste movimento, tanto se uniu a oligarquia que pretendia a volta da supremacia paulista no poder quanto segmentos que desejavam a implantao de uma verdadeira democracia no Brasil.
Em 9 de julho de 1932 a rebelio rebenta com os paulistas acreditando possuir o apoio de outros Estados, notadamente Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Mato Grosso, na derrubada de Getlio Vargas.
Os planos paulistas previam um rpido e fulminante movimento em direo ao Rio de Janeiro pelo Vale do Paraba, com a retaguarda assegurada pelo apoio que seria dado pelos outros estados.
Convocao para Enfermeiras Voluntrias paulistasPorm com a traio dos outros estados o plano imaginado por So Paulo no se concretizou: Rio Grande do Sul e Minas Gerais foram compelidos por Vargas a se manterem ao seu lado e a publicidade de pretenso separatista do movimento levou So Paulo a se ver sozinho, com o apoio de apenas algumas tropas mato-grossenses, contra o restante do Brasil.
Comandados por Pedro de Toledo, aclamado governador revolucionrio, e o general Bertoldo Klinger as tropas paulistas se viram lutando em trs grandes frentes: o Vale do Paraba, o Sul Paulista e Leste Paulista.
Principal o para o Rio de Janeiro, o vale do Rio Paraba do Sul era visto pelos paulistas como teatro principal da guerra.
A estratgia paulista previa a conquista da cidade fluminense de Resende, e apoiado por tropas mineiras, a marcha em direo cidade do Rio de Janeiro. Entretando, com a falta de apoio de Minas Gerais, as tropas paulistas demoraram a se mover em direo a Resende e logo se viram defendendo o territrio paulista das tropas federais.
Os combates mais importantes se deram na regio do Tnel da Mantiqueira que divide So Paulo de Minas Gerais e que era considerado um ponto militar estratgico de grande importncia.
Soldados paulistas no Tnel da MantiqueiraO terreno acidentado do vale do Paraba e a existncia de diversas cidades levaram a um combate encarniado entre as tropas, porm a superioridade de tropas e armamentos das foras de Vargas logo levaram ocupao de diversas cidades paulistas do vale do Paraba, como Lorena e Cruzeiro e o recuo das tropas paulistas em direo capital.
Tropas paulistas penetraram no sul de Minas Gerais, atingindo a cidade de Pouso Alegre em julho / agosto de 1932, porm foram repelidas pelas foras federais em direo de Campinas e, aps setembro de 1932, cidades paulistas prximas a divisa com Minas Gerais foram ocupadas pelas tropas fiis a Vargas.
No alto da Serra da Mantiqueira, num local conhecido com Garganta do Emba, ocorreram combates violentos com intuito de dominar aquele ponto estratgico bem como o tnel da estrada frrea o que permitiria o controle do o ao sul de Minas por ferrovia. Os paulistas invadiram a cidade mineira de a-Quatro que foi posteriormente libertada por tropas do general Euclides Figueiredo.
Principal teatro de operaes das tropas federais, era o setor mais desguardado do estado de So Paulo, pela crena do apoio que viria do Rio Grande do Sul.
Tropas do sul se posicionaram na divisa de So Paulo e Paran, prximos a cidade de Itarar. Esta, por um grave erro logstico das tropas paulistas, no foi defendida, tendo estas se retirado para o Rio Paranapanema, abrindo quase 150 quilmetros de territrio paulista para os federais.
Como nas demais frentes, tropas federais, em maior nmero e mais bem equipadas, ocupam cidades paulistas, com o agravante destas estarem situadas mais ao interior do estado do que nas outras frentes.
Em meados de setembro, as condies de So Paulo eram precrias. O interior do Estado era invadido paulatinamente pelas tropas de Vargas e a capital paulista era ameaada de ocupao. A economia de So Paulo, asfixiada pelo bloqueio do porto de Santos, sobrevivia de contribuies em ouro feitas por seus cidados e as tropas paulistas desertavam em nmeros cada vez maiores.
Vendo que a derrota e ocupao do Estado era questo de tempo, as tropas da Fora Pblica Paulista so as primeiras a se render, no final de setembro. Com o colapso da defesa paulista, a liderana revoltista se rende em 2 de outubro de 1932 na cidade de Cruzeiro para as foras chefiadas por Gis de Monteiro
Terminado o conflito, a liderana paulista se refugia no exlio, enquanto os paulistas computam oficialmente 634 mortos, embora estimativas extraoficiais falem em mais de 1000 mortos paulistas. Do lado federal, nunca foram liberadas estimativas de mortos e feridos. Foi o maior conflito militar da histria brasileira no sculo XX.
A derrota militar acachapante entretanto se transforma em vitria poltica. Ao ver seu governo em risco, Getlio Vargas d incio ao processo de reconstitucionalizao do pas, levando promulgao em 1934 de uma nova constituio.
Para os paulistas, a Revoluo de 1932 transformou-se em smbolo mximo do Estado, a exemplo da Guerra dos Farrapos para os gachos. Lembrada por feriado no dia 9 de julho, a revoluo mais fortemente comemorada na cidade de So Paulo do que no interior do Estado, onde a destruio e mortes provocadas pela rebelio so ainda recordadas.
No restante do pas, o movimento mais lembrado pela verso imposta pelos vitoriosos, a de uma rebelio conservadora, visando a reconduzir as oligarquias paulistas ao poder e de velado carter separatista.
Paulista se acha melhor que resto do Brasil por herana europeia e ado bandeirante, diz socilogo[topo]
A elite e a classe mdia paulista, de maneira geral, tm uma viso de sua prpria identidade muito diferente da identidade nacional, diz o socilogo e pesquisador Jess Souza, autor de mais de 20 livros, como A Elite do Atraso (Editora Leya) eClasse Mdia no Espelho (Sextante).
Para o professor universitrio, que tambm ex-presidente do Ipea (Instituto de Pesquisa Econmica Aplicada), aps a derrota de So Paulo no levante de 9 de julho de 1932 (revolta contra o governo de Getlio Vargas), a elite local percebeu que precisava estabelecer domnio no terreno das ideias e disseminar a tese de que o paulista diferente — superior — do povo do resto do Brasil.
Ele afirma em entrevista BBC News Brasil que na poca estavam surgindo as teorias sociolgicas, importantes at hoje, de que o brasileiro como o homem cordial, que trata de questes profissionais e pblicas com base em suas relaes pessoais — o que facilitaria a corrupo.
Mas, segundo Souza, ao mesmo tempo foi criada a ideia de que o paulista era "mais virtuoso" e no estava includo nessa definio — o chamado excepcionalismo paulista.
"A ideia de que, porque So Paulo havia sido abandonado pelo Estado portugus [durante a colonizao] os bandeirantes [que "desbravaram" o Estado] vo ser percebidos como pessoas que vo ter iniciativa, empreendedorismo, que vo montar o mundo pelas prprias mos — exatamente no sentido em que eles percebem que o pioneiro protestante havia feito nos EUA", afirma o socilogo, em referncia aos primeiros colonos que ocuparam o territrio norte-americano.
Ao mesmo tempo, diz ele, a chegada dos imigrantes europeus foi usada pela elite para reforar a ideia de que o paulista mais moral por ter uma herana europeia.
"Foi uma ttica da elite para conquistar a classe mdia branca, porque para a elite importante ter uma 'tropa de choque' que ela possa usar como arremedo de participao popular", diz Souza, que tambm formado em direito pela UnB (Universidade de Braslia) e em filosofia e psicanlise na New School for Social Research, em Nova York, nos EUA.
"Com essas duas coisas, quem o condenvel, quem o criminoso se no o povo? O povo que no branco europeu, nem elite — os brasileiros que so pobres e mestios."
Confira abaixo os principais trechos da entrevista.
BBC News Brasil - A formao da identidade paulista diferente da formao da identidade brasileira?
Jess Souza -Muitas vezes ideias so disseminadas atravs de um processo de dominao elitista, mas esse processo esquecido depois. No que as pessoas neguem, mas simplesmente tem um silncio. Se voc j conseguir convencer as pessoas daquela ideia, no precisa mais ficar batendo naquela tecla. Tem uma astcia do poder nisso.
So Paulo um estado extremamente importante. Eu moro em So Paulo h 6 anos e isso foi extremamente importante, porque fiz muitas entrevistas no interior e tambm na regio sul. um outro Brasil.
Primeiramente, um Brasil branco, a maioria da populao branca — isso no existe no resto do Brasil. E tem essa enorme influncia do estrangeiro, do imigrante europeu. Mas, para entender a diferena, preciso compreender as ideias que dominavam a formao da identidade nacional e o que estava acontecendo em 1930.
BBC News Brasil - Quais eram essas ideias sobre a identidade nacional?
Souza -O pensamento de Sergio Buarque de Holanda central nisso, ele vai criar os dois conceitos mais importantes da poltica brasileira at hoje — ideias que se espalharam pela sociedade, no ficaram s na cabea dos intelectuais.
Primeiro a noo de homem cordial como uma coisa s negativa [ a ideia de que o brasileiro age pela emoo e no pela razo, que ele tem um desejo de estabelecer intimidade e que todas suas interaes sociais se do com base nos afetos, nos valores domsticos, confundindo o pblico com o privado, o que favoreceria a corrupo].
Depois a noo de Estado patrimonial [de que os assuntos pblicos, de Estado, no Brasil, so tratados de modo pessoal], como se o Estado fosse a origem de toda corrupo.
Ele vai dizer que o povo brasileiro, como o homem cordial, corrupto, ladro, no respeita as leis — o domnio dos afetos. Isso vai montar a ideia de um ataque moral, porque se voc corrupto, inconfivel, se voc retira a honestidade de algum e diz que essa pessoa corrupta, voc a desumaniza.
Segundo Srgio Buarque, isso teria a ver com a herana portuguesa de corrupo da Idade Mdia. Mas isso uma acusao ridcula, para dizer o mnimo, porque na Idade Mdia no podia haver corrupo no sentido moderno. A corrupo no sentido moderno do particular que rouba o bem pblico, mas a noo de bem pblico s a a ser pensvel a partir de 1789 [data da Revoluo sa].
Para isso voc precisa ter noo de soberania popular, que podem existir bens que no pertencem a ningum individualmente, mas ao povo como um todo. E o mais estranho que os intelectuais brasileiros vo olhar e falar: 'Puxa! Veja como ele era crtico! Veja a verve crtica, a objetividade cientfica de perceber que o povo brasileiro realmente a lata de lixo da histria.'
No fundo, com essas ideias, voc culpa de novo — e claro que no estava na cabea do Sergio Buarque desse modo — o povo pelo seu prprio atraso sem tocar na palavra raa. Voc transforma o racismo que at ento era explcito em uma questo cultural, moral — um racismo cultural.
BBC News Brasil - O racismo deixa de ser explcito?
Souza -No que acabou o racismo, mas o racismo racial anterior havia sido interditado publicamente, voc no pode voltar ideologia racista de [Arthur de] Gobineau [terico francs do racismo que acreditava que os brancos eram superiores e que o Brasil era povoado por raas inferiores e mestios degenerados].
As mudanas dos anos 1930 no Brasil conseguiram barrar formas mais violentas e explcitas de racismo. muito importante voc fazer com que as pessoas se controlem e tenham pelo menos vergonha de serem racistas. Os EUA s foram ter isso nos anos 1960, com o movimento pelos direitos civis. Mas no acaba o racismo: voc torna o racismo explcito no palatvel, mas claro que os afetos racistas esto l.
BBC News Brasil - E que mudanas estavam acontecendo nos anos 1930?
Souza -Em 1930 [quando Getlio Vargas se torna presidente] voc tem o primeiro estadista brasileiro, no sentido de que ele tinha um projeto para a sociedade como um todo. Getlio quer mudar a sociedade: modernizar e industrializar. Mas ele tambm quer incluso popular.
Foi uma revoluo de grandes propores. Primeiro voc destrona uma elite que estava no poder h 400 anos [a elite rural da Repblica Velha] depois voc vai montar a identidade nacional que no existia antes de Getlio e de Gilberto Freyre.
Antes deles, existia o racismo cientifico explcito, de Gobineau, que todos os intelectuais brasileiros dessa poca aderiram — mesmo aqueles que defendiam os negros. Joaquim Nabuco, por exemplo, que eu at iro, queria um melhor tratamento, mas acreditava na inferioridade.
Mas no incio do sculo 20, Gilberto Freyre cria a ideia do "bom mestio". Que isso tudo que o brasileiro lembra quando pensa positivamente na brasilidade. Freyre vai dizer que essa caracterstica afetiva do povo pode ser positiva, que voc pode receber bem o diferente, dizer que o brasileiro tem calor humano, hospitalidade, sexualidade exuberante.
E Getlio usa esse conceito para montar uma espcie de revoluo cultural, porque voc no vai construir uma identidade nacional com um povo que voc considera a lata de lixo da histria.
Nessa poca voc vai ter a propaganda do Estado dizendo: olha a nossa fonte africana, no h problema nenhum com isso, alis, timo, porque a gente tem coisas que ningum tem, o samba, futebol etc. Ento pela primeira vez o negro e o mestio so celebrados no Brasil.
Freyre um cara muito mal compreendido. Claro que era um cara conservador na sua vida pessoal, mas intelectualmente era muito mais progressista do que outros pensadores da poca. Mas Freyre falha no ponto em que ele no tem conscincia de que essa dominao cultural e esse racismo cultural esto baseados no fato de que tanto nos EUA quanto na Europa, o racismo vem do fato de os brancos se verem como representantes do esprito.
O que isso? So atributos do esprito a inteligncia, o bom gosto esttico, a moralidade e a honestidade. Tudo o que a gente acha virtuoso ligado ao esprito, e o que ruim vai estar ligado ao corpo: o sexo, a agressividade. Se voc quer oprimir algum, humilhar algum, voc tem que relacionar essa pessoa ao corpo.
isso que fazem com as mulheres, isso que fazem com os negros, isso que fazem com as culturas oprimidas na Amrica Latina, frica e sia. Freyre no criticou isso, ele no percebia, mas ele vai tentar, dentro disso, pegar as "virtudes ambguas do corpo" e destacar o positivo.
BBC News Brasil - E onde entra a questo da identidade do paulista neste cenrio?
Souza -A elite de So Paulo j a mais poderosa nessa poca e ela vai ser contra Getlio. Ela tenta, com a guerra — o levante de 9 de julho de 1932 — como todo mundo sabe, recuperar o poder. Mas ela derrotada militarmente. O que essa elite v? "Olha estamos perdidos se fomos para o confronto. O que a gente pode fazer?"
Voc pode usar o domnio das ideias. Porque esses caras tinham no s as fazendas de caf, as nascentes indstrias, mas editoras, jornais, rdios. Essa elite cria a Universidade de S. Paulo — e claro que no estou acusando a USP, tem muita gente boa l, mas obviamente foi uma etapa fundamental nesse processo de recriar uma hegemonia cultural elitista para o Brasil.
Ento se cria a ideia de que o paulista diferente — algo que foi pensado, planejado E a que entra o excepcionalismo paulista. a poca em que surge a ideia de homem cordial de Sergio Buarque, mas esse homem cordial no o brasileiro em geral — o excepcionalismo paulista prega que os paulistas, e os brancos do Sul, so diferentes.
BBC News Brasil - Eles seriam diferentes como? Quais so os argumentos dessa ideia?
Souza -A elite de So Paulo j estava se vendo nos anos 1910, 1920 como uma espcie de equivalente funcional do pioneiro protestante americano. A ideia de que, porque So Paulo havia sido anteriormente abandonado pelo Estado Portugus — esse elemento supostamente corruptor — os bandeirantes [que "desbravaram" o estado] vo ser percebidos como pessoas que vo ter iniciativa, empreendedorismo, que vo montar o mundo pelas prprias mos — exatamente no sentido em que eles percebem que o pioneiro protestante havia feito nos EUA.
Ento os bandeirantes, caadores de ndios, vo ser travestidos de protestantes ascticos. So Paulo deve desempenhar no Brasil, segundo essa leitura, o mesmo papel que que Massachusetts nos EUA — Estado que vai criar uma nova nao, moderna, racional etc, etc.
E isso importante, porque se a elite herdeira dos bandeirantes como a americana, ela no portuguesa como o povo. Ento se o povo corrupto, a elite paulistana no — ela a a ser melhor, a a ser o contrrio.
E concomitante a isso, h a chegada dos imigrantes europeus — a grande leva de 1890 a 1930 — 5 milhes de europeus brancos e vrios outros vindo para o Brasil. E esses 5 milhes de brancos que esto chegando nessa hora se percebem como europeus, obviamente, pela origem recente — mas at hoje os descendentes no Sul e em So Paulo tm essa viso, tm o maior orgulho do nome.
A classe mdia branca que se forma — italiana em So Paulo e alem no Sul — vai se perceber como diferente do povo, pois ela europeia.
Ento isso se junta ao fato de que a elite paulista j se via como diferente porque seria como a americana, empreendedora, como o protestante asctico. Ento voc tem o excepcionalismo paulista, a ideia de que o paulista superior por causa de uma herana cultural europeia e uma moralidade americana. Ento com essas duas coisas, quem o condenvel, quem o criminoso se no o povo? O povo que no branco europeu nem elite — os 80% de brasileiros que so pobres e mestios.
BBC News Brasil - Mas de onde vm essas ideias de valor e virtude do pioneiro americano protestante?
Souza -O que est por trs disso a tese clssica de Max Weber sobre o protestantismo, que cria uma sociedade nova adaptada ao capitalismo, com disciplina, controle, o que verdade. Mas os americanos usaram essa ideia para justificar o imperialismo, dizendo que o protestantismo asctico nos EUA torna o pas a ptria da produtividade econmica, da democracia, e da honestidade, o que no verdade.
BBC News Brasil - Mas por que a ideia de identidade paulista seria diferente de um simples orgulho regional, como por exemplo, um orgulho de ser pernambucano ou mineiro?
Souza -No a mesma coisa. O excepcionalismo paulista foi conscientemente construdo. O orgulho do pernambucano, se voc se perguntar, o frevo, a comida, gente importante que nasceu l. Voc no tem, como no excepcionalismo paulista, uma interpretao, uma exegese [interpretao detalhada] de como funciona o mundo. S So Paulo construiu isso. Justificando a ideia no ado longnquo, no comeo da colonizao, voc vai dar ares de cincia.
BBC News Brasil - Esse tipo de pensamento perdura at hoje?
Souza -Um dado importante que os seres humanos no percebem como eles so formados. Uma criana de 0 a 4 anos, ela vai "engolir" o pai e a me, e no s o jeito de andar, falar, mas de perceber e avaliar o mundo — isso entra de modo pr-reflexivo. Isso percebido pelas crianas em exemplos, emocionalmente. Se isso no foi criticado, tende a continuar indefinidamente.
E hoje essas ideias continuam, so ideias importantes do Brasil. Elas esto por trs do Bolsonaro — porque Bolsonaro tem o apoio da elite, de muitos brancos racistas, mas tambm de muita gente que remediadamente pobre. O eleitor do Bolsonaro no aquele que ganha menos de dois salrios mnimos. aquele que ganha entre dois e cinco salrios. Ele vai ser muito tipicamente o branco pobre de SP e do Sul — onde Bolsonaro tem, ou tinha, maioria.
Por outro lado, Bolsonaro tambm tem tambm o apoio do pardo evanglico — que tambm se acha superior aos outros negros, mas pela converso religiosa.
sempre uma questo de distino moral. Mas entre os pobres brancos do Sul, o cara pensa "como eu sou branco e ganho R$ 3 mil sendo que tem o cara que tem a mesma cor que eu e ganha R$ 20 mil?".
Mas ele no consegue criticar, enxergar que ele tambm foi injustiado e se unir com os outros injustiados. Eles tm raiva, tem ressentimento, no sabem por que — e a so muito facilmente manipulveis porque se sentem inferiores. Se eu sou superior e no sou rico, a culpa no minha.
Voc levado a odiar os negros, os mais pobres para explicar sua prpria situao — no sobra dinheiro para mim porque o pessoal est usando para dar essa mamata para esse pessoal.
BBC News Brasil - Est ligado a uma ideia de meritocracia?
Souza -Isso est ligado meritocracia, antes de tudo, na classe mdia branca — porque a elite tem o dinheiro e sabe que est comprando e mandando em tudo. Mas quando voc diz que a classe mdia branca a classe da moralidade, num pas de gente corrupta, a classe mdia se torna a classe da meritocracia por excelncia. E que a meritocracia?
Voc esquece todos os privilgios sociais que voc est recebendo, desde o bero — e a no s dinheiro, isso extremamente importante — voc ter pais disciplinados que amorosamente tentam incutir disciplina nos filhos, o hbito de leitura, capacidade de concentrao, capacidade de pensamento abstrato... Ningum nasce com isso, isso um projeto de aprendizado — e quase sempre familiar, principalmente nos primeiros anos de vida.
Ento isso uma extraordinria herana que o cara da classe mdia branca recebe de presente — e como essa transmisso feita em tenra idade, ou seja, numa idade em que a gente sequer se lembra do que aconteceu, aparece como milagre da capacidade individual, do esforo.
claro que esse cara vai ter ainda uma boa escola, uma escola melhor, tempo livre para que ele possa s estudar — o que no acontece com os pobres. Os pobres comeam a trabalhar com 11, 12 anos.
Ento uma maldade e uma imbecilidade falar em meritocracia em um pas como o nosso. Mas obviamente, a meritocracia vai ser uma forma adicional ao excepcionalismo paulista, ao racismo cultural, para ser uma forma de legitimao do capitalismo.
Mas essa ideia da meritocracia existe em todos os lugares. O Brasil vai construir, com excepcionalismo paulista, no sul, alm da meritocracia, essa questo do racismo cultural, essa linha da honestidade, da moralidade.
BBC News Brasil - Como essa ideologia do excepcionalismo afeta a populao no branca desses Estados?
Souza -Esses brasileiros mestios e negros em So Paulo e no Sul — que so maioria no resto do Brasil — vo ser muito afetados por essa leitura. Eu chamo isso de racismo cultural.
uma substituio do racismo racial, depois que o racismo racial foi interditado na esfera pblica. Voc tinha que colocar uma outra ideia para fazer a mesma coisa que o racismo racial fazia, contra as mesmas pessoas.
O racismo destri a autoestima, destri a autoconfiana. Se dizem: voc feio, voc preguioso, corrupto, ladro. O que diabos voc vai fazer da sua vida?
Voc no tem legitimidade, no respeitado, no reconhecido. Ento esse tipo de leitura da realidade um veneno. Ele vai retirar das pessoas vontade de vida, capacidade de sobrevivncia. Voc vai enfraquecer e criminalizar.
Site:Wikipdia - A Enciclopdia Livre (http://www.wikipedia.org)
Matria: BBC Brasil - https://caieiraspress-br.diariopaulistano.net/portuguese/brasil-62102433
Texto: http://pt.wikipedia.org/wiki/Revolu%C3%A7%C3%A3o_Constitucionalista_de_1932
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